segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Psicanálise leiga e seus destinos entre a arte e a política


      


A discrição é incompatível com uma boa exposição de análise: é preciso não ter escrúpulos, expor-se, entregar-se, trair-se,
comportar-se como um artista que compra tintas com o dinheiro do sustento da casa e queima os móveis para aquecer seu modelo.
Sem qualquer dessas ações criminosas, nada se pode realizar corretamente”
(Sigmund Freud)

“O simbólico está inesgotavelmente disponível se existir um certo ‘eu’ para solicitá-lo”.
(Alain Didier-Weill).



PSICANÁLISE LEIGA E SEUS DESTINOS
Entre a arte e a política

14, 15 e 16 de abril de 2014
BOATE 701 DO CLUBE MONTE LÍBANO
AV. BORGES DE MEDEIROS, 701, LEBLON, RIO DE JANEIRO, RJ

                                     
Em tempos onde a globalização clama pela regulamentação de tudo e estende seus tentáculos por toda a parte, trazendo efeitos nefastos para o exercício da psicanálise, como se pode verificar na Itália, na Áustria, na Alemanha, dentre outros países, aqui no Brasil, temos que estar vigilantes. Todo o tempo corremos o risco de sermos capturados por propostas indecentes, que ganham a roupagem de Projetos de lei que têm por objetivo a pasteurização terapêutica visando a normatização do sujeito e a medicalização do social.

A questão da independência da psicanálise em relação aos outros saberes, e mais especificamente, em relação ao saber médico, denominada por Freud em 1926 como “psicanálise leiga”, para defender a prática da psicanálise por não-médicos, teve como mote a proibição em 1925,  pelo Conselho Municipal de Viena, sofrida por Theodor Reik, membro não-médico da Sociedade Psicanalítica de Viena, de praticar a psicanálise. Tal processo, embora tenha sido anulado, levantou uma discussão que não cansa de se reinscrever, revelando a tentativa de diversos campos, não apenas o médico, mas também o religioso e o psicológico, de subsumirem a psicanálise a seus domínios.

O fato da prática psicanalítica não estar sustentada por um conselho profissional que a regulamente com códigos e normas de conduta não se dá por arrogância. Trata-se da impossibilidade de se aferir objetivamente o condicionante principal da formação de um psicanalista, que é seu próprio tratamento psicanalítico, cuja efetividade não se resume a frequentar o consultório de um analista por um tempo, mas implica a dimensão experiencial do surgimento de variáveis imponderáveis do desejo que comprometem um sujeito com a escolha desse ofício.

A complexidade dessa questão, além da exigência de estudos teóricos e supervisão de seu trabalho clínico por um analista mais experiente, revela que não há protocolo geral que possa suprir as exigências de sustentação dos singulares princípios éticos que norteiam a prática da psicanálise.  Pois nela somos convocados todo o tempo a não suturar o hiato existente entre o plano ideal e a inevitável “queda na real” e a nos sustentarmos, paradoxalmente, na falta de garantias e naquilo que podemos fazer com isso.

Vale lembrar que a sustentação desses princípios, pautados pela singularidade da ética da psicanálise exilada do alento da visada idealizante do Bem Supremo, não exime o psicanalista do compromisso com seu tempo, e com os discursos, produções e ideais que lhe são inerentes. Muito pelo contrário, o caráter crítico da psicanálise, que condiciona sua própria pestilência e no qual é gestado todo seu poder de transformação, a compromete a estabelecer conexões com quase todos os campos do saber, fecundando e sendo fecundada por eles.

Se não há pré-requisitos de formação médica, psicológica, ou algo do gênero para a formação de um psicanalista, isso não significa que não haja pré-condições para o seu exercício – a mais importante das quais, destacada por Freud, é o compromisso com a investigação, com o desejo incansável de saber, que nesse campo coincide com a própria potência terapêutica da psicanálise, exigindo uma constante conexão com outras áreas do saber.

No IV Colóquio Internacional do Corpo Freudiano, destacaremos a conexão da psicanálise com a arte e a política, na medida em que, coincidentemente, esses campos são pautados por um saber que se rege pelo ato e não pela academia.  Leigos, cada um, a seu modo, são convocados a um ato criador, que não lhes vem nem pela casta, nem pelo conhecimento universitário ou muito menos por alguma Escola Superior.

Psicanalistas, artistas e políticos, por um processo de passagem, peculiar a cada um deles, e que necessariamente os implica subjetivamente, assumem ofícios que não dependem do reconhecimento oficial ou institucional. São, portanto leigos, necessariamente. Entretanto, por isso mesmo, tais ofícios demandam a ousadia da criação, o endereçamento a um saber que escapa ao conhecimento porque se encontra no real. Como tem sido sustentado o rigor dessa empreitada de, na criação, sair da mesmice e acolher a Alteridade – ou como se tem declinado dela –, é uma das questões que contemplaremos em nosso IV Colóquio. Convidamos a todos a se engajarem nessa nossa manifestação, munidos com os recursos pertinentes a suas áreas.

Para abrilhantar ainda mais esse nosso encontro, contaremos com a participação de psicanalistas, políticos e artistas reconhecidos nacional e internacionalmente, dos quais destacamos particularmente a presença sempre instigante e enriquecedora de Alain Didier-Weill, Jacques Barbier, Jean-Michel VivèsNora Markmann e Paolo Lollo, da França, e Paola Mieli,dos Estados Unidos. O programa completo será divulgado em breve.

Esperamos poder compartilhar pesquisas, ideias, experiências, contatos e momentos de fruição artística. Esperamos por você.

Comissão organizadora: Denise Maurano, Heloneida Neri, Marco Antonio Coutinho Jorge, Maria Ormy Moraes Madeira, Patrick Werner dos Anjos.



FICHA DE INSCRIÇÃO

NOME           ...................................................................................
ENDEREÇO  ...................................................................................
CEP               ...................................................................................
TEL/CEL       ...................................................................................
CIDADE/UF  ...................................................................................
E-MAIL         ...................................................................................




PREÇOS DE INSCRIÇÃO:

Associados e Estudantes de Graduação
Até 30 de janeiro | R$ 250,00
Até 10 de março | R$ 300,00
A partir de 11 de março | R$ 350,00

Profissionais
Até 30 de janeiro | R$ 350,00
Até 10 de março | R$ 400,00
A partir de 11 de março | R$ 450,00

Depósito bancário
Banco Itaú c/c 07578-4 agência 8163
Mandar ficha e comprovante bancário para:
Visite nosso site: www.corpofreudiano.com.br

Inscrições abertas. Vagas limitadas. Serão emitidos certificados

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

SEPAI Curso: OS QUATRO CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE




OS QUATRO CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE

Público Alvo: Alunos, ex alunos e público em geral!
Dia(s): sextas-feiras
Horário: 15:30 hs
Inicio: 29/01/2014
Duração: 8 aulas
Inscrições: (21) 2244-2698 ou  sepai@uol.com.br
Investimento: 2 parcelas de R$ 160,00
Coordenação: Profº Dr. Carlos Eduardo Leal, Psicanalista, Mestre em Psicologia PUC-RJ (1986), Doutor em Psicologia Clínica PUC-RJ (1997), Professor Universitário e Supervisor Clínico (FAMATh) desde 1982. Escritor e Artista Plástico.

APRESENTAÇÃO

Este curso visa apresentar a noção de sujeito e sua estrutura clínica a partir dos conceitos fundamentais da psicanálise: o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão. Com isto, visa também colocar em evidência questões da clínica psicanalítica e alguns de seus impasses.
Não há comodidade alguma no lugar do analista. A prática clínica é um ofício que não possui parâmetro com nenhum outro fazer do ser humano. Freud, quando inventou a psicanálise sabia disso. Sabia que o psicanalista não poderia fazer concessões ao seu lugar. Lacan retomou este legado freudiano e levou adiante através da ética do seu desejo. O seminário, "Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise" é um ensino em que Lacan endereça perguntas fundamentais para a clínica psicanalítica:1) "Em quê estou eu autorizado"?, 2) "O que é a psicanálise?", 3) "O que é uma praxis?" e, 4) "Qual é o desejo do analista?".
Sob a condição de "tratar o real pelo simbólico" ou de retomar a frase de Picasso, "Eu não procuro, acho", Lacan irá tentar responder, através dos conceitos freudianos postulados, sobre o lugar de sua própria “excomunhão”.
Enfim, esta é a proposta deste curso: pensar os conceitos fundamentais de Freud através de interrogações lacanianas.

Carlos Eduardo Leal

sábado, 15 de dezembro de 2012

Assassinato da esperança





Tirar a vida de uma criança é roubar a esperança de uma nação! 

Massacre e chacina em mais uma escola dos EUA! Por que acontece isso neste país? Por que fazer do lugar de aprendizado, um confinamento para a morte? Qual o ódio e a loucura que estão embutidos nestas pessoas que sentem uma atração fatal pela pulsão de morte e ceifam vidas e mais vidas? 
Será que no pais do Tio Sam, daquele dedo apon
tado dizendo Yes You Can, as pessoas que fracassam em 'ser' passam a odiar o sistema que lhes prometeu a felicidade em abundância do 'ter'?
Fico pensando que foi lá que surgiu a expressão "fundamentalismo religioso" e não em algum país muçulmano como se crê e propaga.
Lembro que no filme (o primeiro) "A fantástica fábrica de chocolate" em que um dos meninos que ganha o papel dourado para visitar a fábrica está vestido de cowboy e um repórter pergunta se a arma em sua cintura era um Colt 45 ao que ele responde irritado: "Claro que não! Meu pai só vai me dar um quando eu tiver doze anos!" A terceira emenda da Constituição Americana dá o direito do porte de arma a partir dos doze anos (acompanhado pelo pai ou responsável) como direito de defesa. Defesa contra quem?
Todos sabemos da paranoia que assola desde sempre o povo americano. Estão sempre sendo invadidos por marcianos, vírus espaciais, alienígenas, serial killers, russos, terroristas... E na arrogância épico-hollywoodiana eles são os responsáveis por salvar o planeta do mal.
Num país de efusivo patriotismo, há de tudo, mas a banalidade do mal (como afirmava Hannah Arendt) precisa ter um fim. E a solução (final? tsc!) não virá de fora para dentro. Será preciso rever, se se quiser evitar outros massacres, não só a revogação das leis que permitem a todos ter armas, mas a conscientização de que o mal está em cada ser humano e ele aponta sua escolha para onde ele quiser.
S. Freud, no Mal-Estar na Civilização, nos diz que nosso sofrimento vem de 3 direções: 1) do poder superior da natureza 2) da fragilidade de nossos corpos e 3) da luta do homem contra seu semelhante. E afirma que das 3 situações a última é a pior e a mais nefasta. E cita o filósofo Plauto: "O homem é o lobo do homem."
Não sejamos ingênuos: a maldade e a tendência à pulsão de morte está em cada um de nós.
Num país que nos deu Cole Porter, Ira e George Gershwin, Jimi Hendrix, Henry David-Thoreau, Mark Twain, Scott Fitzgerald, Philip Roth, cieneastas, atores, atrizes, num país criador de clássicos mitos, por que também produz a escória que transforma esperança em tragédia?
Repito:
Tirar a vida de uma criança é roubar a esperança de uma nação!

Mas é preciso não só olhar o midiático EUA. É preciso olhar para a esquecida África, o massacre em Ruanda e os milhares que morrem assassinados pela fome todos os dias, é preciso olhar para o Oriente Médio e seus intermináveis conflitos, é preciso olhar para a Índia e seus miseráveis de castas inferiores, é preciso olhar para a China e a escravização no trabalho, é preciso olhar para o Brasil e sua corrupção que também mata ao desviar verbas públicas que deveriam estar a serviço da saúde e educação (a lista é interminável), é preciso olhar para cada nação, enfim, é preciso olhar para cada ser humano, é preciso olhar para você e se perguntar: o que você tem feito por você e pelo mundo ao seu redor?

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A Ética do Desejo e a Covardia Moral




A Ética do Desejo e a Covardia Moral


Carlos Eduardo Leal

Resumo

O objetivo deste trabalho é pensar como o sujeito pode se deixar subsumir pelas intempéries da vida que ocasionam a angústia. A culpa como correlato da angústia é o que leva o ser humano a ter, não um comportamento ético nas suas ações, mas sim justo o contrário que é a covardia moral. A angústia do ponto de vista clínico, pode ser um bom balizador para situarmos no mundo moderno, a ética do desejo na vida em comum.


Resumé

Cet article a le but de penser comment le sujet peut se laisser anéanti par les conditions, le plus lourdes, de la vie qui font produire l’ angoisse. La culpe comme correlatif de l’ angoisse, c’ est ce qui méne l’ être humain a avoir, pas une coduite éthique dans ses actions, mais, par contre, elle fait le sujet vivre la lâcheté moral. L’ angoisse, du point de vue clínique, peut être un baliseur de bonne qualité, pour situer dans le monde moderne, l’ éthique du désir dans la vie cotidienne.




                                                                 Tudo o que se procura, será descoberto.
                      
                                                                                                Édipo Rei - Sófocles

Encruzilhada a céu aberto



Na encruzilhada de uma decisão, frente a uma escolha sempre presente, sempre recomeçada, a vacilação do sujeito põe em causa a constelação do seu desejo. Cometa alucinado a cruzar os céus do imaginário aflitivo e pessoal de cada um, o desejo inconsciente deixa como rastro na poeira de sua cauda, a insatisfação pela sua não realização. O brilho fálico do desejo, vislumbrado na negritude do firmamento, impõe ao sujeito uma espécie de obrigatoriedade em deter o que não se captura; o infinito deslizar metonímico deste cometa-desejo.
Em sua laboriosa fantasia o neurótico sonha iludido em realizá-la. O desejo inconsciente irrompe como um clarão que parece profanar o que até então era cegueira provocada pela opacidade da própria vida. Telescópio em punho, alinhado com a aparente previsibilidade do surgimento do desejo, ledo engano pois este surge de onde o sujeito menos espera e, invariavelmente, ele é tomado pelo efeito de surpresa, ou como Freud falou sobre o caso Emma, ´a emoção do susto`.[1] A imprevisibilidade do advento do desejo é correlata à abertura na vida humana da dimensão sexual, que se traduz como uma experiência daquilo que não cessa de não se inscrever: o real traumático.
Alinhado com as esperanças nutridas através das galáxias da linguagem, o sujeito ilude-se ao pensar que poderá sair em sua vida da posição de impossibilidade - como é o caso da neurose obsessiva - ou da posição de insatisfação - como é o caso da histeria - bastando para isto que ele realize e satisfaça o seu desejo. A esperança aqui se traduz em temor pela incerteza diante do futuro. A promessa de felicidade aparece como o sol que surge no horizonte das incertezas depois de uma noite de trevas. Só que na noite, tinha-se muitas estrelas e não se sabia qual seguir. Agora, durante o luzeiro, apenas uma para projetar a esperança porém, com a condição de não olharmos para ela, ou melhor dizendo, para ele, o sol.  Esta parece ser a fonte dos enganos na vida do homem comum. Manter a esperança sobre algo que na verdade ele jamais poderá olhá-la de frente sob a pena da cegueira, tal como Édipo, Creonte e outros que ousaram saber toda a verdade.
Na encruzilhada de uma decisão, atualmente apela-se aos astros com a falsa esperança de evitar o encontro com a tragédia do desejo. No mapa astral, pode-se olhar os astros sem o temor de que sejam por eles cegados. Porém, a verdadeira cegueira advém através do encobrimento da palavra que ao privilegiar o destino, retira do sujeito a responsabilidade sobre o seu desejo. Quando entregamos ao Outro o fardo da nossa causa é bem provável que encontremos o alívio, com um preço a pagar por isto que é o de não termos acesso à verdade.[2] 
O desejo não pode se consumar numa tragédia. A dimensão trágica é quando dele não queremos saber e supomos que poderemos viver nesta insciência. O alerta dado pelo inconsciente tem a serventia para que possamos dele desfrutar e não para que fiquemos atrelados à um usufruto, este gozo de puro sofrimento.
O analista é aquele que vive o presente no passado e traz o passado para o presente. Tal como as estrelas, cujo brilho que nos chega de um passado longínquo atualizado no presente. O céu do analisante é seu inconsciente onde existem alguns buracos negros através dos quais até a luz é puxada para dentro. Dentro desta alegoria espacial, podemos também dizer que a interpretação analítica é um verdadeiro meteoro cuja cauda deixa rastros na vida do sujeito. Ou ainda, que a interpretação é uma estrela cadente que por sua velocidade e clarão impostos, não dá chance ao sujeito de fazer um pedido como se faz popularmente, enfim, de fazer uma demanda.
A interpretação não visa à demanda, mas sim ao desejo. A interpretação faz furo no céu do desejo inconsciente. A interpretação abre um real de espanto onde o sujeito pode ver uma constelação de pensamentos que apesar de serem dele, não se sabia da sua existência. A análise produz dia, luz, clarão radiante onde tudo era noite sombria na vida do analisando.
Mas a análise traz também em seu bojo, a noite e suas sombras quando o brilho excessivo do real acaba por produzir uma cegueira insuportável. A análise produz a sucessão dos dias – travessia - reproduzindo a vida dentro da vida, a morte dentro da morte, mas também a vida dentro da morte e seu reverso, isto é, a morte no interior da vida.
A análise permite a abertura do céu do inconsciente para o próprio analisante. O descortinar de um véu, produz a possibilidade de um percurso nunca antes transcorrido. Percurso difícil onde por vezes parece um céu infinito noutras um dia claro e em outras ocasiões, parece não haver caminho possível  para se trilhar. Deste lugar sem saída, desta posição de desterramento insuportável tal como um fora de casa, fora de seu ethos, surge a dimensão de algo que não engana: a angústia.


A angústia: desespero do mal-estar


O sentimento de culpa nada  mais é do que uma variante topográfica da angústia

                                                     Sigmund Freud - O mal estar na civilização
É essencial domesticar os deuses no engano, na falácia do desejo, e não despertar-lhes angústia
                                                      Jacques Lacan - A angústia

                                                                                                                                                    
Para pensarmos a culpa temos que, a partir deste nosso referencial que é a psicanálise, articular esta noção com a angústia. Com isso estaremos articulando com o desejo do Outro. Esse Outro que na modernidade responde pelo nome de globalização. Mas o que é a globalização?
A globalização é o estagio supremo do imperialismo.
O controle globalizante funciona como um grande Outro que ao enunciar o seu desejo, põe cada sujeito em confronto com a angústia. A angústia está sempre articulada ao desejo enigmático do Outro. Este desejo enigmático do Outro, transforma-se para cada um em gozo, gozo do Outro, numa quota de sofrimento por não ser possível na sociedade moderna, dar conta de tudo aquilo que ela produz para o consumo. Este descalabro entre aquilo que o sujeito deve e aquilo que ele realmente pode, cria um descompasso angustiante nas relações entre as pessoas.
O objeto adquirido pode ser minúsculo ou mesmo insignificante aos olhos mas mesmo assim pode produzir uma revolução interna tal como diz Machado de Assis a respeito do que sofre a alma humana, em seu conto, O espelho. “A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa.”[3]
A globalização pretende, ao apontar as diferenças entre aquilo que não se tem e o que se deveria ter, que todos possam uniformizar-se, e, assim apagar exatamente as diferenças.
Nós psicanalistas sabemos que a tentativa de apagar a diferença tem por finalidade uma evitação do confronto com a castração.
A psicanálise, embora Freud tivesse uma grande admiração por Darwin, não é uma teoria evolucionista. Freud pensa o homem como um ser que existe a partir de suas relações com seus entes mais próximos; avós, pais e filhos. Para além disso, tudo o mais funciona para o sujeito através da maneira pela qual recebe do mundo suas impressões.
A estrutura do complexo de Édipo, e todas as relações humanas daí derivadas, as paixões, os medos, as fobias, as conquistas, as planícies e precipícios do amor, tudo isso pode ser encontrado desde os primeiros registros da escrita do homem. Quer se vá aos manuscritos sacro-religiosos, quer se mergulhe nas tragédias gregas, principalmente aí, podemos encontrar o lastro que dá vida ao mistério da vida.
A psicanálise nasce com a modernidade. A experiência da cura é uma contraexperiência do cogito. A palavra exila o sujeito de si mesmo e a psicanálise pode ser o lugar onde esta experiência se relata, se narra, se formula em seu silêncio. A narrativa través da associação livre, resgata a dignidade da palavra perdida na constelação da vida humana. A palavra, lavra, marca a condição de ser estranho em relação ao que se acbou de proferir. O sujeito para a psicanálise é o sujeito moderno, o sujeito da ciência , como tal, ele deve ser pensado não do ponto de vista evolucionista mas do ponto de vista das suas relações com o Outro. Não do ponto de vista ontológico, porém, ético.
A falta-a-ser aponta para o ser-para-morte, porém é a pulsão de morte que faz com que o sujeito tenha créditos na sua conta bancária da vida. É o excesso de gozo da pulsão de morte que faz com que o sujeito queira aceder à vida sempre em busca da sua felicidade. A satisfação da pulsão equivale, segundo Freud, à felicidade. O gozo ao qual o sujeito está inicialmente atrelado na sua vida, ou seja, esse gozo do Outro, o gozo da mãe, é esvaziado pelo significante quando de sua entrada no campo da linguagem.
O significante do Nome do Pai é aquele que pode realizar essa operação, porém é este mesmo significante que cobra um preço por essa manobra de inscrição do sujeito no mundo das trocas, metafórico, das equivalências, enfim, no mundo simbólico. Como a criança não tem, a priori, nenhuma mercadoria, nenhum valor que possa servir de moeda para pagar esta dívida com relação ao pai, na verdade jamais terá por se tratar de uma dívida simbólica, ela tenta saldar este ônus com seu sintoma.  O sintoma passa a ser a moeda corrente no campo subjetivo onde se inscreve a metáfora paterna. O colorido, muitas vezes nefasto, do sintoma, aparece pincelado nas entrelinhas da fala do neurótico.
A psicanálise é uma prática que ao privilegiar a singularidade de cada um, pode fazer resgatar algo subsumido diante do gozo absolutista do Outro, a angústia e a culpa..
A tentativa globalizante das psicoterapias é de adaptação do sujeito à realidade e é sempre ortopédica. É sempre com o intuito de tentar moldar a instabilidade do objeto da pulsão. A angústia funda o sujeito enquanto sujeito da dúvida, enquanto sujeito da dívida-culpa. Ao fundar o sujeito, a angústia o coloca numa relação diante do mundo na qual ele tem que posicionar-se segundo seu desejo. A angústia dá mostras que diante do mundo o sujeito, mesmo abismando-se, não pode ser indiferente a ele.
Segundo Heidegger, “é a angústia que pela primeira vez abre o mundo como mundo”.[4] Em Ser e Tempo, ele indica que o nexo ontológico entre angústia e temor é ainda obscuro e, por isso, propõe-se a analisá-los. Heidegger define o temor como um ente intramundano que, advindo de determinada região, torna-se, de maneira ameaçadora, cada vez mais próximo. O que é sempre algo intramundano como um ente que se retira,porém, a ameaça é a própria pre-sença. E por pre-sença, entende-se que é o ser-no-mundo. Aquilo, diz Heidegger, com que a angústia se angustia é o ser-no-mundo. O retorno do mesmo de algo que se retira é o indeterminado da angústia.
Neste ponto podemos estabelecer alguma semelhança entre essa descrição heideggeriana da angústia e o fenômeno do estranho - unheimlich - analisado por Freud.
Neste texto, Freud nos diz que há a produção de uma angústia a partir de um sentimento de estranheza, quando algo que era familiar retorna imprevisivelmente como estranho. Para Heidegger, “aquilo que se teme é sempre um ente intramundano que, advindo de determinada região, torna-se, de maneira ameaçadora, cada vez mais próximo.”[5]
Do ponto de vista do ensino lacaniano, a angústia é não sem objeto. É óbvio que para se falar da angústia, ou melhor, para podermos nomeá-la, faz-se necessária a sua aparição como um evento fenomenológico. Da causa da angústia, temos que na análise, procurar através da construção fantasmática, a etiologia segundo a neurose de cada um. E na procura pela etiologia, que, vale lembrar, é sempre sexual, está a possibilidade do confronto com o objeto a, o objeto causa do desejo. É em relação à esse objeto que a angústia se estrutura.
Ora, se tal como a culpa, a angústia é estrutural, podemos dizer que não há uma análise sem que a angústia não esteja presente. Sua presença implica que haja um confronto com o real da castração.
O infantil, em última instância, refere-se ao encontro inevitável com a castração. A dureza da vida é o encontro traumático com o sexual, a castração. A dureza da vida é quando não há mais nenhum artifício que se possa interpor entre o sujeito e sua realidade. Estes artifícios pretendem aplacar o confronto com aquilo que há de insuportável para a vida. Têm, por assim dizer, uma dimensão-fetiche de desmentir a diferença sexual, de desmentir o furo da falta-a-ser do sujeito. São, portanto, objetos fetiches, fálicos, que pretendem dar um sentimento de poder e força para os que se acham desvalidos de uma razão que os ilumine na escuridão amarga de suas parcas identificações. A denegação da castração que o fetiche vem respaldar tem o intuito de aplacar a dor, o sofrimento pela constatação da diferença sexual. O sujeito busca através destes artifícios, recuperar o tempero das amarras que o sustentam simbolicamente na vida. Embora a vida possa ser confinada apenas sob este aspecto de sua dureza, Freud nos lembra que mesmo assim, é a única que temos. É nosso dever ético cuidar dela da melhor forma possível.
Por outro lado, os artifícios que podem ser interpostos entre o sujeito e a sua realidade, com o intuito de aplacá-la, de torná-la suportável, podem ter um caráter de mascaramento da verdade, ou seja, evidenciam a dimensão do engano e da ilusão.
O desamparo deixa a criança numa situação de desabrigo e faz com que ela saia da condição de mera espectadora da cena fantasmática e se torne coadjuvante desta montagem. Capturado nessa dimensão, sem possibilidades de dar uma significação plausível, o sujeito recalca no inconsciente na espera de dias melhores, mais afortunados, que possam aplacar a angústia do trauma. Ora, o retorno do recalcado não escolhe um momento qualquer. Seu retorno se dá justamente quando o sujeito detestaria de ter uma experiência novamente como aquela vivida da infância. A precisão ingrata do retorno faz eclodir a dimensão do insuportável. E assim, o desejo inconsciente se revela sequioso de se fazer satisfeito, mas por permanecer atrelado a um não saber sobre a verdade que o causa, ele insiste sobre um núcleo traumático e desconhecido para o sujeito. O desconforto desta insistência e, é claro, a sua não realização, acabam por fragilizar a vida humana. O céu da sua vida escurece e a sensação é de que jamais vai haver o amanhã. Depressão?
Para o sujeito há um Outro, insuportável, que o obriga a não só restaurar um estado anterior de coisas, bem como dar conta da satisfação da pulsão. Tarefa impossível já que o desejo do Outro é sempre enigmático e a forma pela qual o sujeito responde ao enigma do desejo do Outro é com a angústia. A angústia constitui-se assim, como a constatação do fracasso do homem, seu grande paradigma em sua infrutífera tentativa de se prevenir contra o desejo do Outro. É desta maneira que a angústia se correlaciona com o desejo do Outro. E é também o caminho usado pelo sujeito para não agir segundo seu desejo, ou seja, abrigar-se na espúria covardia moral. Por isso dizemos que o contrário da ética não é a anti-ética, ou a imoralidade, mas sim a covardia moral. A ética é o julgamento crítico que se faz da moral, das leis, dos costumes e das tradições.
No seminário A angústia, 1962/63, Lacan diz que a angústia é um afeto do sujeito. E o que afeta ao sujeito é o desejo do Outro. Na angústia, é a relação do sujeito ao Outro que encontra-se afetada. A angústia constitui-se como um afeto que não engana porque o desejo do Outro comporta uma dimensão de gozo não dialetizável, abrindo assim a dimensão insuportável da verdade inconsciente, sem enganos, sem máscaras e sem ilusões. Se a angústia não engana, então o quê engana ao neurótico? O que engana é a localização da angústia. O sujeito pensa que onde ela surge é exatamente onde ela se localiza. Puro engano.  Ela se manifesta no corpo mas ela tem sua causa etiológica determinada pela posição fantasmática do sujeito. É no nível da fantasia que a angústia se localiza e não na dimensão fenomenológico-imaginário do eu como ele erroneamente pensa.
A angústia enquanto sinal invade o corpo manifestando-se como: sufocamento, um sentir-se mal, não estar à vontade, sentir-se sem lugar ou fora de lugar, mal-estar, desconforto na vida, desamparo, constatação na fragilidade de uma dependência excessiva, tremores injustificados, calafrios, insônia, fome devoradora, diarreia, vertigem, distúrbios respiratórios, taquicardia, bradicardia, irritabilidade excessiva, distúrbios neuro-vegetativos, etc.
A angústia comprime, esmaga e sufoca, deixando o sujeito sem saída, encurralado, morto de medo. Por isso, a ética do desejo aparece como uma resposta ao impasse da angústia. Se na angústia falta um sentido, uma orientação para a vida, a ética do desejo implica num saber fazer algo sobre a vida.
A manifestação da angústia advém, como já dissemos, através do descortinar do objeto a, que é um objeto causa de desejo e mais de gozar. Então, a angústia dá o seu sinal no lugar do eu ideal, i(a). Na verdade, ela se localiza na fantasia.
O objeto a é  um objeto causa do desejo e plus de gozo. É, em suma, um objeto perdido, jamais reencontrado. Então, é a função do imaginário “i”, que recobre, envelopa e protege - é o parênteses - o objeto a de se manifestar. Recobre com outros objetos necessários  possíveis da vida cotidiana. Qualquer objeto, objeto pulsional  pode estar neste lugar de defesa, anteparo contra angústia.  É neste nível do eu ideal onde a criança pode se sentir olhada pela mãe e, através deste olhar, se reconhecer no olhar dela.
 Porém, há algo neste olhar que escapa, que cai, que não é assimilado, que não se sustenta, que fica como um enigma não decifrado pela criança, que fica como um resto, um nada, que por ser justamente um nada, causa o desejo, surgindo assim a angústia pela impossibilidade de dar uma significação ou capturar este vazio que não se recobre, que é o enigma do desejo do Outro. O objeto a, é portanto, isto, que da relação entre o sujeito e o Outro, cai. É o insuportável. Pertence ao campo do real, do impossível de dizer, enfim, da castração.
A função imaginária do eu ideal trata então de revestir a dura realidade do possível encontro com este objeto impossível, colocando contornos e limites através das identificações imaginárias.  É óbvio que estas identificações imaginárias só terão a sua inscrição neste plano psíquico do eu ideal, se forem legitimadas, ratificadas, ou ainda, nomeadas pelo simbólico.
O campo do Outro é lugar onde surgem as nomeações que irão recobrir o imaginário fazendo com que o corpo ganhe sua significação e, portanto, saia do desamparo. Esta nomeação é o que Freud fala como a erotização de um corpo. A angústia em relação ao desejo do Outro, coloca o sujeito numa certa atopia e alienação do seu próprio desejo pois ele está alienado no campo do Outro. Tal como Hamlet que está sempre na hora do Outro, sempre a procrastinar o que deve ser feito, sempre a evitar o encontro com  verdade.
Lacan concorda com Freud quando este diz que o ego é a sede real da angústia. Em Freud, devemos entender o ich, o eu, como objeto, mas também como sujeito. É no eu, enquanto definido como a projeção da superfície do corpo, onde se dá a manifestação ruidosa da angústia, que põe o sujeito num descompasso, susceptível à tremores, calafrios, taquicardias e tudo o mais que já descrevemos como o que concorre nesta referência fenomenológica. Na angústia, o sujeito fica atordoado pela falta de sentido porque o que ocorre é uma desestabilização no imaginário. Num evento traumático, o eu ideal que teria por função tamponar a emergência do objeto a, sofre um forte abalo e, com isso, há a possibilidade de que o sujeito se confronte com este objeto sem nenhum anteparo, sem nenhuma defesa. Quer dizer, a desestabilização no imaginário põe, de certa forma, o sujeito à céu aberto, desamparado.  O pano de fundo por onde a angústia se instalaria se articularia da seguinte maneira: haveria a ocorrência de uma desestabilização no imaginário, que produziria uma quebra no simbólico, fazendo emergir o real da angústia.
Ora, esta função imaginarizada do i(a), tinha por finalidade instituir uma garantia que impedisse que o sujeito se confrontasse com sua falta. Mas isso já é a constatação da dimensão da falta, apenas encoberta por algum sentido imaginário. A angústia ocorre quando há imaginariamente a possibilidade desta falta vir a faltar. Se isso ocorre, o sujeito tem que se confrontar com seu desejo, que é, no fundo, desejo incestuoso, inscrito em definitivo por ocasião do complexo de castração. Por isso, o sujeito vai em busca de algo, algum sentido, que se interponha entre ele e o mundo que o sobressalta. A pletora de sentidos que o humano vai buscar durante a vida tem a finalidade última de obturar a falta.
O procedimento analítico visa, assim, descortinar para o sujeito a função de engano e ilusão através dos quais muitos destes sentidos que afetam sua vida, foram construídos. Se o homem sempre esteve em busca de um sentido que norteasse sua vida, isto não quer dizer de forma nenhuma que o sentido encontrado é o sentido esperado. Ao contrário, na maioria das vezes, o sentido encontrado acaba sendo constituído por ser aquele que:
1)      por alguma facilidade/comodidade, foi o primeiro que lhe foi possível capturar em sua dimensão imaginária, e assim, acalmar uma certa dose de estranhamento em relação à realidade que o cercava;
2)      foi o que lhe trouxe alívio imediato, ou anestesiou suas dores, respondendo de certa forma, alguns de seus enigmas e inquietações;
3)      enfim, pode ter sido aquele que conseguiu evitar de alguma forma o desprazer mais intenso - o que pode tê-lo feito acreditar que a evitação do desprazer seria homólogo ao sentimento de prazer.                                                 
Esta última forma seria aquela através da qual o sujeito acreditaria ter encontrado um enorme sentido para sua existência ao se propor a evitação justamente da vida. É possível que se viva muito bem, alienado desta maneira. Porém, se algum dia, um evento produzir a retirada desta certeza, todas as suas quotas de referências e garantias sobre a vida desmoronam-se junto com ele, sobrevindo o colapso da angústia. Quando a falta pode faltar, surge a possibilidade da angústia manifestar-se como correlativa à presentificação absoluta do Outro.
Em geral, esta queda em precipício, pode ser o que conduza o sujeito até ao interior de uma análise. A constatação decorrente é a de que, frequentemente, a evitação da vida, já é a morte anunciada. Em consequência disso, o homem na sociedade moderna tem tentado alucinadamente absorver tudo que lhe é oferecido. Pensa iludidamente, que ao fazer assim, consiga viver de um modo mais intenso e feliz. A fúria da avalanche de mercadorias e produtos ofertados cria um enorme descompasso entre o investimento feito e o retorno esperado. Entre o objeto buscado e a satisfação encontrada. Há aí um fosso abissal que separa o ter do ser.
O sujeito se engana ao pensar que se ele tiver ele será. A dimensão do ter é momentânea, às vezes ilusória e sempre passageira. Já a dimensão do ser implica na possibilidade da falta-a-ser, e assim esta condição pode ser o percurso de uma vida. Não uma beata vita, uma vida feliz, mas ao menos uma dolce vita, uma vida, digamos assim para não traduzirmos ao pé da letra, menos amarga, com menos sofrimento neurótico, o que nos dá ainda a possibilidade de saber o que fazer com ela.


 A Ética do Desejo

Deus ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede?
                                                            Epicuro

O antigo ideal estoico primava pela atitude de quem vivia para dominar os afetos, suportar serenamente o sofrimento e se contentar com a virtude como fonte única de felicidade (eudaimonia). Este ideal visava um estado de perfeita harmonia entre o corpo e a alma. O bom caminho, como resposta à vida, deveria ser a consequência natural de uma prática virtuosa que teria por finalidade a evitação dos vícios que seriam, por sua vez, a encarnação definitiva do mal.
Este ideal goza de uma não atitude, de um não comprometimento com aquilo que decididamente o afeto não deixa ocultar: o encontro do homem com a verdade.
O malogro das relações no mundo moderno incide justamente numa espécie de retorno a este ponto. Esta recaída ou se podemos dizer, esta insistência sobre a constante ocultação da verdade tende levar o ser humano a uma dimensão igualmente constante do engano e da ilusão. O mergulho na falácia ilusória moderna prende-se à avalanche caótica de produtos (gadgets) que prometem justamente o que o antigo ideal estóico se dedicava a conseguir: a felicidade.
A luta martirizada pela sobrevivência, a despolitização do cidadão devido à inércia do poder público e aos altos índices de corrupção, assim como a crescente descrença que se contrasta com um religiosismo cada vez mais radical e fundamentalista, parecem ter esvaziado a condição de certa dignidade de vida para os seres humanos.
A banalização do mal é a violência que bate cotidianamente em nossas portas. A violência abole a condição de ser-no-mundo, de habitá-lo, de fazer do mundo seu ethos, sua morada ética. A violência exclui o homem de sua própria casa e sua primeira morada deveria ser o acesso ao seu desejo.
Quando os meios para a existência do homem são insuficientes, quando não lhe são oferecidas oportunidades de escolha - e a ética implica numa possibilidade de poder escolher - talvez então tenha  chegado a hora de pensarmos para estes violentados pelo mundo moderno, numa ética que nos implique a todos sem que para isto nos afastemos de nossas singularidades. Uma ética que possa ser a ética do desejo e que não se abstenha em ir de encontro da covardia moral.
Contra esta atitude invocamos a responsabilidade ética. Uma ética que seria a ética do desejo através da qual não se vive em relação ao que se gostaria que fosse vivido, mas antes, ao que tem que ser vivido sem abrir mão de se conjugar a concretização de se amar aquilo que se deseja e de desejar o que se ama.
O rigor desta posição não se refere à nenhum ideal, mas sim à um saber fazer (savoir faire) que pode não ser o mais cômodo, mas é seguramente, aquele que impede que o sujeito viva alienado em suas parcas ilusões. É uma ética da singularidade. Através da ética do desejo, o ato criativo pode ser a resposta contra o mal-estar da covardia moral, contra as falsas esperanças, as ilusões ou o refúgio nas toxicomanias.
Na encruzilhada de uma decisão, pode não ser muito o que cada um de nós possa fazer individualmente, mas seguramente pode ser um bom começo para exercermos criticamente a faculdade de sempre estarmos disponíveis para repensarmos nossa posição no mundo. O analista não pode se curvar diante do desejo para dele fazer um ícone do seu ideal. A nossa passagem pela vida é meteórica e, às vezes não nos damos a chance da liberdade da escolha: se vamos querer ficar alienados numa covardia moral ou se levantamos os olhos para abraçarmos a causa da nossa ética do desejo.






[1] FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia científica. (1950[1895]) in Obras completas, v.I, parte II, Psicopatologia, Rio de Janeiro: Imago Editora,  1977,  p. 464.
[2] “Digamos que o religioso entrega a Deus a incumbência da causa, mas nisso corta seu próprio acesso à verdade. Por isso ele é levado a atribuir a Deus a causa de seu desejo, o que é propriamente o objeto do sacrifício.” LACAN, Jacques. A ciência e a verdade, in Escritos. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998, p. 887.
[3] Assis, Machado de. O espelho, in, Papéis avulsos, Obra Completa, RJ, Nova Aguilar, 1986.
[4] HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo, parte I, Petrópolis, Ed. Vozes, 1988,  p. 251.
[5] ibid, op.cit, p. 249.