segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Sobre a angústia ou "O despovoador" de S. Beckett
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
É possível a arte escapar ao brilho narcísico? Ou, sobre livros e Jabutis...
É possível a arte escapar ao brilho narcísico? Ou, sobre livros e Jabutis...
Há muito sabemos sobre o mito de Narciso. Uma das melhores versões pode ser encontrada no poeta Ovídio (43 a.C. 18 d.C.), em seu livro Metamorfoses. Narciso é a história do belo rapaz, com o destino de ser feliz “se não se conhecer”. Sempre acompanhado de Eco, a mulher por detrás das pedras que só repete suas últimas palavras. Narciso não a escuta porque está apaixonado por sua imagem. A mesma imagem que o petrifica é causa de seu esplendor: horror (pela perda de sua consistência) e amor cego pela aparência. Narciso é símbolo inequívoco da fogueira das vaidades humanas. Freud já apontava para as rivalidades entre os seres humanos, as lutas de puro prestígio e relações hegelianas entre o senhor e o escravo, como um narcisismo das pequenas diferenças.
No narcisismo, o outro é sempre um intruso. No mundo moderno, acelerado pela veloz difusão da internet, há um rol crescente de intolerâncias, xenofobias, racismos, invejas, fundamentalismos, cobiças, ganâncias e todo o tipo promoção pessoal para se conquistar a fama a qualquer preço. Todos querem lucrar rápido. Todos parecem não ter tempo a perder, pois parecem precisar enlouquecidamente deixar alguma marca neste mundo. Se crenças seculares não mais respondem às mesmas perguntas sobre nosso passado e futuro, a vida parece se projetar num único e vazio hic et nunc. Com certeza que há um empobrecimento por este aqui e agora. A vida fast food, digere mal o que se consome nas prateleiras da vida.
Obviamente que não sou contra o marketing, como, a princípio, se poderia pensar. Aliás, gosto dele e aprecio fórmulas criativas na propaganda. Quando comecei a lecionar há quase trinta anos, dava aula de Psicologia da Propaganda e Marketing. O problema não é a criação, mas a eterna busca pelo brilho narcísico que se deteriora com uma velocidade espantosa. Querem a fama pela fama. O pedestal no qual está amparado o sujeito narcísico é frágil e se quebra com facilidade.
Pois bem. A arte não escapa, nunca escapou ao fantasma das rivalidades narcísicas. Aliás, ela, ao longo da história, muitas vezes se alimentou disso. Novas e brilhantes teorias foram escritas em todos os campos do saber para tentar derrubar outras igualmente importantes. Novas obras de arte foram esculpidas e pintadas para quebrar movimentos que excluíam o novo, o outro, o intruso. Músicas foram compostas para superar rivais e poderem tocar com exclusividade para os reis.
Portanto, a luta por uma fatia do mercado não é nova. Mudaram-se as formas, mas o conteúdo de acirramento das vaidades permanecerá o mesmo. Isto é do humano-ser.
Nos últimos dias, tenho acompanhado com atenção as reviravoltas do mercado editorial em torno dos prêmios literários no Brasil. O jornal Folha de São Paulo, em seu caderno Ilustríssima, publicou no dia 14 de novembro a matéria: “O dia do juízo: a política dos prêmios literários”. Ainda no mesmo caderno uma entrevista com Sérgio Machado (presidente do Grupo Record): “Edney Silvestre foi garfado”. É claro que sobre uma polêmica destas ele não poderia ficar sem resposta e, neste domingo, dia 21/11, Luis Schwarcz retruca: “Quem garfou Edney Silvestre? Ou como se discute um prêmio literário no Brasil”. (Para ler sobre estes textos: folha.com/ilustrissima).
Não vou entrar na celeuma sobre Chico Buarque (de quem li O leite derramado), Edney Silvestre (de quem ainda não li Se eu fechar os olhos agora), Sérgio Machado, Luiz Schwarcz, etc. Na verdade, se o momento é de crise, é preciso poder aprender alguma coisa com ele. Desta luta de puro prestígio não há vencedores. Já se disse que de uma guerra ninguém sai vitorioso. Então, o que podemos aprender com isto? Lembro que quando atacaram as Torres Gêmeas, Busch disse que ou o mundo estava a favor do terrorismo ou estava a favor dos americanos. Uma posição sem saída? Aparentemente sim, se desta luta maniqueísta entre bem e mal não se produzisse uma terceira opção. E houve. O filósofo esloveno Savoj Zizek, escreveu um belo artigo em que dizia não querer nem um nem outro. E propunha uma terceira via que era uma lógica da função paterna que produzisse a castração e, assim, o corte no embate furioso entre as rivalidades narcísicas. O artigo era denso, extenso e me valeu muito para entender na época a crise que abalaria o mundo.
Então há que se pensar numa terceira via, pois o momento é extremamente fecundo para não “fecharmos os olhos agora”. Acompanho um crescente número de Festas Literárias (Flip, Fliporto, Fórum das Letras de Outro Preto, Conversas Literárias em SP), iniciativas como Prosa nas livrarias, Eu, o leitor, casas de produção de cultura ligadas aos livros, escritores e leitores, uma multiplicidade de obras de autores já consagrados de ensino técnico e/ou incentivo aos novos escritores, (No dia 07 de novembro a mesma Ilustríssima publicou “Carta a um jovem escritor” um excelente texto de Leyla Perrone-Moisés), os livros de Harry Potter, O Senhor dos Anéis, a Saga Crepúsculo, Fala sério, professor (e mais nove livros desta mesma série) de Thalita Rebouças, entre muitos outros de uma nova geração que ajudam a formar novos leitores. É difícil, muito difícil e muitas vezes desestimulante fazer com que o jovem desenvolva o gosto pela leitura de “A moreninha” ou através do ciúme doentio de Bentinho pela sua adorável Capitu. É claro que gostaríamos que todos lessem Machado, Drummond, Shakespeare, pois é preciso não só começar, mas fundamentalmente, gostar de ler. O mercado infantil e infanto-juvenil estão aí dando provas do vigor e da avidez com que o público comparece e prestigia Bienais como se fossem a um show de rock. Com espanto e brilho de orgulho nos olhos, presenciei uma multidão na última Bienal em São Paulo.
Além do que, novas editoras surgem da noite para o dia. O que isto tudo representa? Por um lado, um mercado livreiro em franca expansão e, por outro, interesses econômicos em jogo que terminam em disputas narcísicas. Sempre que está em jogo Um Pai, a luta entre os filhos para saber quem será o preferido produz mortes e rivalidades eternas. Desde Caim e Abel. E acabam por esquecer o que se plantou (Abel) ou o que se fez do leite (Caim).
Assim, nesta eterna disputa narcísica, será que não acabam por esquecer aquele que eles mais deveriam se preocupar: o leitor?
Carlos Eduardo Leal
Psicanalista e escritor
domingo, 20 de junho de 2010
Hamlet ou a morte do pai: luto e tragédia do desejo
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Pedofilia
Breno Melaragno - Professor PUC/RJ e Advogado Criminalista * Carlos Fortes - Promotor de Justiça - MG * Leda Nagle * Carlos Eduardo Leal – Psicanalista e escritor * Vladimir Brichta -Ator exclusivo Rede Globo * Talvane de Moraes - Psiquiatra Forense
No dia 16 de abril último, fui convidado a debater sobre a pedofilia no Programa Sem Censura da Leda Nagle, na TVE- Brasil. O tema era sobre o pedreiro Ademar de Jesus que havia matado e tido relações sexuais com 6 jovens em Luisiânia, Go. Mas, obviamente, muitas outras questões foram abordadas.
O sujeito perverso é aquele que diz que "não consegue se conter" e Edimar dizia, "não consigo parar de matar". A perversão se coloca acima da lei. Ele faz suas próprias leis. Não podemos dizer que vivemos cada vez mais numa sociedade perversa, mas numa sociedade ainda fortemente marcada pela neurose com graves traços de perversão. Ou seja, há umfranqueamento muito maior para a perversão, para o ato perverso em nosso meio social. A impunidade é o franchising da perversão. O mal, o mal-estar na civilização é o apagamento do desejo do sujeito frente à avalanche de demandas que o discurso capitalista oferece. Estafetichização das mercadorias, levam os sujeitos a um "dever de felicidade", como se fosse uma obrigação em ser feliz e uma depressão quando não se é.
Outro fato marcante que também tem acontecido é uma fratura do simbólico. Fratura das relações e dos laços simbólicos. Fratura das leis que regem as relações. Pais e filhos, professores e alunos, mestres e discípulos, patrões e empregados. As relações hierárquicas estão se esfacelando, virando pó (sic). Há micro revoluções não armadas, ou melhor, armadas em salvo-condutos, habeas-corpus, ou pior, a revolução dos celulares com câmeras de vídeo, tornou a todos espiões num reality show jamais visto até então. Todos estão vigiados e vigiam-se mutuamente num grande BBB.
A desestabilização do Imaginário (das garantias imaginárias - certezas construídas ao longo da vida), produz uma quebra, uma ruptura do simbólico (as palavras), fazendo emergir o insuportável peso do Real.
Mas o Ademar de Jesus dizia outras coisas. Dizia que ouvia vozes e que estas vozes o mandavam matar os jovens. Ora, se era assim, não se trata de uma perversão e sim de uma psicose. Não é nada raro esquizofrênicos que são assassinos obedecendo ao imperialismo gozo do Outro. Na perversão é a vontade de gozo, do próprio sujeito que faz com que ele não consiga se conter. Mas na psicose, como parece agora depois de sua morte, o sujeito alucina uma outra realidade.
Serge Cottet nos diz que "a especialidade de Lacan é o crime paranóico - não é o crime perverso, não é o crime de massa". Mas a pulsão criminosa já era vista por Freud quando ele estudou o assassinato do pai primitivo. Esta pulsão, pulsão de morte com certeza, imperativa sobre o próprio sujeito o levaria a cometer os assassinatos. Na alucinação o sujeito passa ao ato sem saber, melhor, sem um saber sobre a morte. Ao contrário da perversão na qual o sujeito sabe muito bem sim sobre seu ato. Aliás, ele o premedita. Premedita tanto que deixa brechas. CasosSuzane Von Hichtoffen, rapaz de Osaco que matou a avó e de tarde já havia sido preso, o pediatra que abusava dos rapazes e filmava tudo e depois jogava as fitas de vídeo em cima da lixeira. Ou seja, rastros da evidência de seus crimes. O paranóico não tem esta preocupação. Em sua alienação ele faz porque uma voz manda.
Ainda haverá muita dúvida no ar, mas uma única certeza: na perversão ou na loucura é muito difícil prever o próximo passo em direção à morte. E a justiça? Tarda e falha. Nisto ela tem sido perfeita. A leniência com a progressão de regime, coloca à solta o medo e a insegurança. Não sou especialista na área, mas como cidadão comum sinto-me impotente diante da ineficácia de quem deveria exercer a justiça. Descobrimos a cada dia um abuso, uma molestação, tal e qual o perverso diante daqueles que sabem os meandros da lei e possuem os recursos financeiros adequados contra aqueles que estão marginalizados (pelo saber ou pela pífia situação pecuniária) e, portanto não tem como se defender.
A origem do mal está em cada um de nós. A origem do bem também. O que se espera é que a ética, ética do desejo e da responsabilidade, faça avançar o affectio societatis em nosso meio, em nosso mal-estar da vida quotidiana. Como deter, como barrar o gozo absolutista do Outro? Como deter a Vontade de Gozo do perverso? A psicanálise é um instrumento que faz barreira e não compactua com o gozo. Ela aposta na ética, volto a dizer, na ética do desejo. Do um a um. A singularidade como aposta de saída contra a tirania do 'dever ser feliz', do 'dever gozar a qualquer preço'.
Os laços simbólicos estão frágeis, quebradiços. É um momento em que a "palavra" quase-nada-significa. Resgatar a dimensão simbólica da palavra é também não se perverter, no sentido lato da palavra perversão que significa errância de caminho.
Mas, insisto. Não há "O caminho". O que existe são caminhos que devem ser trilhados um a um. E, assim, possibilitar o encontro com a ética já que esta emerge (Emerj? sic!) quando surge o outro.