segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sobre o transexualismo




O transexualismo não é apenas um desejo pelo mesmo sexo como ocorre no homosexualismo. No homossexualismo, tanto masculino como feminino, a recusa à diferença sexual parece ser uma marca constante. Nunca nenhum paciente homossexual veio ao meu consultório para se queixar de sua opção sexual ou para dizer que queria ser heterossexual. Portanto, não digam que "curam" homossexuais, pois eles não estão em busca deste tipo de normativização. O sofrimento, este sim é sim uma norma do ser humano. Então são como sujeitos abalados por suas questões e angústias que eles recorrem ao analista. Muitos desejam em suas fantasias ter o sexo oposto. "Eu gostaria de ter uma vagina na hora do sexo diz um homossexual masculino." Mas ele não pensa em fazer uma ablação de seu pênis e reconstituí-lo como uma vagina.
Os transexuais não se enquadram nesta categoria. Neles, houve uma ruptura da realidade, tal como na psicose e, portanto, repudiam o que são e querem se transformar no Outro, no caso, em Outra. Na literatura não há muitos casos de mulheres que que querem se transformar em homens. A maioria dos casos são homens que fazem uma ablação peniana e se submetem a uma Cirurgia de Redesignação Sexual, como é designada.
Nestes casos que podemos considerar como uma psicose, a ablação (corte) permite que o sujeito se estabilize diante da realidade e, portanto, não delire. Se na neurose o sujeito é um sujeito da dúvida, na psicose, a certeza é o que dá o tom. Não há dúvida sobre o que ele é. Não há dúvida, inclusive as existenciais. O transexual não aceita ser quem é e quer ser outro. Não há angústia neste ponto. Ele é não-homem e não-mulher. Esta terceira categoria o coloca numa outra cena desabitada pela lógica fálica que rege os não-psicóticos.
Uma fantasia recorrente aos homens é ter relações sexuais com duas mulheres ou com um homem e outra mulher, ou seja, a antiga triangulação descrita por Sófocles e que ajudou Freud a demonstrar as questões edípicas. Pois bem, existem muitos homens que procuram um travesti (principalmente se ainda não fizeram a ablação peniana) com o intuito de realizarem esta fantasia edípica. Para o neurótico, são dois num só o que excita o traço de perversão neles existente. São também raros os casos de mulheres que procuram um travesti para transar.
Quero lembrar que não se trata apenas de retirar o pênis, mas sim de colocar em seu lugar uma vagina (vaginoplastia).
No série "Amor em 4 atos", uma mulher (a atriz Alice Assef) faz o papel de um travesti (quase não se usa no feminino: uma travesti) e encantou a fantasia de muitos. Lembro que muito recentemente na teledramaturgia brasileira não era permitido aparecer nem homossexuais. Este era um assunto tabu para a tv. Hoje, quem aparece para entrar de vez nas cenas novelescas é o travesti. Ainda sem as grandes questões sobre a perversão, mas é oportuna sua saída por detrás dos bastidores para a boca de cena para que a discussão ganhe uma dimensão que nos conduz a (re)pensar estas questões no mundo atual.
Se, psiquicamente, seu lugar é a radicalização do Outro sexo, na televisão pretende-se amenizar/suavizar esta ruptura, 'travestindo-o' com uma dose de androginia (e um olhar feminino) que é outra coisa radicalmente diferente.
Penso também que há uma certa posição melancólica (depressão profunda), uma tristeza constante rivalizada com uma alegria caricata, que compõe o quadro de ruptura da realidade destes sujeitos.
Mas, pergunto: a quem ama o travesti? O que é o amor nesta conjunção não-homem, não-mulher?

Carlos Eduardo Leal
Psicanalista e ecritor