quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Depressão: patologia ética?



Depressão: patologia ética?

A depressão tem se tornado um mal maior do que poderíamos esperar. Aliás, o mundo como um todo, dizia uma pessoa, tem se tornado um excesso maior do que supôs nossa vã filosofia. Vivemos num mundo de excessos. Somos excedentes? Nós mesmos nos tornamos um excesso ao excesso que é o próprio mundo? Na verdade, o que podemos esperar da vida?

A compulsividade desenfreada nunca conheceu tanto incentivo mercadológico quanto o que temos visto em nossos consultórios. A constatação? Sujeitos cada vez mais deprimidos, apáticos diante de um mundo que parece que os vai engolir. Há uma selvageria nesta sociedade do espetáculo e dos efeitos especiais que acabam tendo como efeito sujeitos imobilizados diante de suas angústias, suas dores de existir, suas fobias enclausurantes. E, pior. Não sabem dar uma resposta a tudo isto pelo simples fato de acharem que podem dar resposta a tudo. Com a internet o mundo se abriu ao infinito, mas paradoxalmente, tivemos a desilução da finitude o que leva alguns sujeitos a constatarem pálidos: então o mundo é só isto? Outro estranho paradoxo que desta vez vem da Bíblia. Lá no Gênesis está escrito que os olhos do homem se arregalaram ao provar da árvore do conhecimento. Pois não é exatamente isto que estamos vivendo agora? A constatação (ilusória) de que podemos saber tudo? Há um excesso de informação para pouquíssima formação.

Os corpos tornaram-se Torres de Babel. Constantemente inacabados, continuamente querendo chegar à perfeição e prodigiosamente fracassando quando estavam no auge de quase poder alcançá-lo quer seja através do empuxo ao gozo desenfreado dos exercícios in extremis, quer seja pela introdução de próteses. Freud escreveu em o Mal-Estar na Civilização que o homem é um Deus de prótese. Ele, em 1930, previa a enxurrada de artifícios (botox, metracrilex ou substâncias tóxicas) que tentam manter os sujeitos no Jardim das Delícias eternamente.

Lacan nos diz que quando se atende a demanda, esmaga-se o desejo. Ele dizia isto sobre a relação analista-analisando. Mas o que vemos hoje é um mercado que está apto a atender e a suprir a qualquer demanda: das drogas ilícitas às lícitas, do fast food à delicatessen mais exótica, da igreja mais ortodoxa ao culto pagão, ou seja, há uma suplência para toda a falta. E é isto que produz sujeitos deprimidos: não há mais lugar para a falta e, portanto, para o desejo. Se não há lugar para o desejo, pela promessa de que tudo pode ser suprimido – também pelos comprimidos -, então o que há é uma falta da falta. Pura angústia. Fobia desencadeada que prende a todos em suas ilhas artificiais. Ninguém mais pode ter a desculpa de falhar, pois você pode conseguir tudo. É o imperativo americano do if you want, you can! Se você falhar, a culpa é sua. Mas ninguém quer se responsabilizar por nada. Os corpos das Torres de Babel de que eu dizia? Pois não há dúvidas de um processo crônico civilizatório dos sujeitos quererem continuar eternamente adolescentes, isto é, achando que podem ainda continuar irresponsáveis. Não há responsabilidade porque não há castigo. E não há castigo porque a lei do pai está em franca decadência. As hierarquias foram para o espaço. Talvez estejam nadando por aqui no cyberespaço, mas de fato e de direito? Esta condição parece ter chegado ao fim. A função paterna está capenga e não acredito haver substitutos. Quando os detectamos podemos pensar que ali talvez esteja uma impostura em curso.

Há um imperativo categórico que visa com que cada um deva suplementar-se de tudo, endividando-se se preciso for. Aliás, o binômio dívida-culpa nunca esteve tão presente. Mas é uma culpa que não faz com que os sujeitos repensem as suas atitudes e as refaçam de outro modo. Há um excesso de atos, de passagens ao ato e, em contrapartida, uma diminuição exacerbada do estatuto do simbólico: das palavras que possuam relevância, eficácia e peso. Não, não é uma leveza. Antes. O que há é uma fragilidade capilar da palavra. Nenhuma parece se sustentar. Nenhuma parece ter a dignidade ética para bem dizer uma vida. Há uma crise da linguagem que se passa através das palavras. Em nossa época as palavras tornaram-se extremamente frágeis, inconsistentes, são desditas, apresentam-se disfarçadas, escamoteadas, vazias, enlameadas, inúteis, incapazes de se tornar um significante que ordene um discurso. Não que elas não possuíssem estas e outras características em outras épocas, mas o que parece é que não há outra opção. Há uma sensação de que se pode dizer qualquer coisa, pois tudo pode caber. Mesmo aqueles que possuem uma representatividade (principalmente estes) no social, quando dizem “merda”, o povo parece sorrir mais das charges do que se lamentar ou, melhor, do que dar uma resposta que seja constitutiva de um bem dizer.

Se antes, em função da neurose, os sujeitos tornavam-se covardes e recuavam diante de seus atos, o que acontece hoje não é uma postura ética. Muito pelo contrário. A certeza da impunidade (sem o “p” de político, ou de parlamentar, vira ‘imunidade’) não os livrou da covardia moral, mas criou uma legião de tentáculos que produzem milhares de atos impensados que são impossíveis de serem contidos. Então, descobriu-se, para tristeza e espanto de todos, que é a própria lei que está em depressão.

Mesmo assim, ou apesar de tudo isto, a psicanálise em seu olhar sobre a polis, aposta, desde Freud, que a saída ética para o sujeito (ética do desejo), seja através da palavra. Resgatar a vida é, portanto, resgatar uma outra dimensão da palavra em seu bem dizer.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Infância perdida


Agora, oito horas da manhã desta segunda-feira, 07 de dezembro, enquanto acabava de chegar no meu consultório bateram na minha porta. Fui abrir e era uma menina lindinha que devia ter uns 9 anos (talvez menos). Ela estava com medo, apavorada, porque não sabia andar de elevador. Na verdade seu medo era de estar sozinha aqui no oitavo andar de um prédio de salas comerciais e consultórios. Sozinha e sem referências e, por medo, bateu na porta que julgou estar aberta. E estava. Estava pedindo socorro. Não queria estar ali sozinha, desamparada. Minha porta sempre está aberta para acolher o desamparo. "O que eu faço para descer"?, perguntou aflita. "Tenho medo de elevador e não sei 'andar' sozinha". Bem, segundo ela, a mãe a deixou na portaria para ela vir ao dentista (no meu andar) de quem ela mal sabia o nome e que ainda não havia chegado. Eu desci com ela, coloquei-a sentada na portaria e avisei ao porteiro que avisasse quando ele chegasse ou a mãe...etc etc etc Enfim , tomasse CONTA dela. Nossa, mas onde é que nós estamos? Depois da tragédia consumada, e aí? E daí? É a nova sociedade em rede que Jean-Pierre Lebrun, psicanalista francês fala nesta semana nas páginas amarelas da Veja. Não há mais hierarquias. O que resta é um novo modelo a ser inventado, recriado com o que temos hoje em dia e não mais segundo antigos parâmetros.
É preciso não abandonar nossos filhos. É preciso não acharmos que o mundo não tem solução e lavarmos precocemente nossas mãos.
A psicanálise sempre esteve atenta ao desregramento desenfreado dos sujeitos: o gozo a qualquer preço. É preciso por um ponto de basta no gozo. Um ponto não, vários em fução do gozo desenfreado que vivemos..
O filósofo Pascal Bruckner, escreveu A euforia perpétua: ensaio sobre o dever de felicidade (Difel) no qual aponta, do ponto de vista filosófico, o mal-estar que Freud já havia dito em 1930. Bruckner diz que "o projeto de ser feliz depara com três paradoxos. Refere-se a um objeto de tal maneira fluido, que se torna intimidante, por causa da imprecisão. Converte-se em tédio ou apatia tão logo se realiza (no sentido de que a felicidade ideal seria sempre saciada, sempre renascente, evitando a dupla armadilha da frustração e da saciedade). Por fim, disfarça o sofrimento, a ponto de se ver desarmada dele assim que este surge." A infelicidade não é apenas infelicidade, mas o fracasso da felicidade. É o dever de felicidade que ele escreve. Portanto, vergonha para o sujeito não é sucumbir em meio à dor, mas sucumbir em meio ao prazer.
No texto Mal-Estar na Civilização, Freud nos diz que o sofrimento surge de três direções: 1) Do envelhecimento dos nossos corpos (e suas doenças); 2) da força superior da natureza (furacões, nevascas, enchentes. É Freud antecipando nossa catástrofe ambiental de hoje) e, 3) o homem é o lobo do homem (Homo monini lupus). Dos três tipos de sofrimento, Freud constata que o último é o pior de todos, o que mais nos faz sofrer, pois em geral a gente não espera (embora estejamos cansados de saber) ou se previne, contra a maldade de outro humano ser.
A menina apavorada na porta do meu consultório é, ela própria, vítima infeliz do "homem que é o lobo do homem". Seus olhinhos assustados denotavam o temor diante do desconhecido. Ela é a 'bala perdida' do nosso futuro.
Que sua mãe possa verdadeiramente encontrá-la.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Nossas meias...verdades.


Agora são as meias cheias de dinheiro. Antes foram as cuecas, as malas, a casa da Roseana Sarney, os Correios, as pedras preciosas de Abi Ackel (isto faz mais de 15 anos), os anões do orçamento, Garotinho e Rosinha, Jader Barbalho, Collor e agora as meias. Estas fedem...
E a nossa vida andando às meias. São meias verdades, meias palavras, meias ideias, frases incompletas. Vivemos uma vida pela metade, ou menos. Uma vida ceifada por quem nos rouba diariamente. Se tenho raiva dos bandidos que nos assaltam em cada esquina, tenho ódio dos políticos e empresários que nos assaltam as esperanças. E a vida vai a meias. Tenho ódio destilado em palavras que não me acalmam. Tenho ódio porque eles roubam a merenda escolar, o remédio dos hospitais públicos, os cadernos e os livros para as escolas públicas. Eles sim são os grandes assaltantes deste país, pois roubam sem precisar. Roubam por ganância. Roubam sabendo que milhares de crianças vão crescer analfabetas e outras tantas morrerão de desnutrição e sem medicamentos. Eles tornam privado o que é público e a justiça os assiste: assistencialismo também no judiciário. Lotearam os cargos públicos e nos hospitais públicos o povo morre nas filas porque só há meio salário para os médicos, só há meio horário para o plantonista, só há meia maca para tanta gente doente.
Só existe um meio de moralizar: acabar com a meia vergonha que nos aprisiona e irmos para a rua. Para as ruas educar nossas crianças. É preciso retomar o antigo preceito das ágoas gregas quando os pedagogos ensinavam em praças públicas. Esta é a nossa melhor arma. A educação. Assim foi feito na Alemanha e na Coréia do Sul após suas guerras. Assim também foi feito no Japão que destinou após a Segunda Guerra Mundial, 80% do seu PIB para a educação. Um povo sem leitura e sem estudos não pensa, não raciocina, não consegue ter uma postura crítica, ética. Eu e você, como diz um jornal, já seremos dois. Amanhã seremos mais e, depois, mais ainda. Não suporto meias verdades. Precisamos de transparência para este Brasil que anda pela metade, ou melhor, não anda, arrasta-se entre um escândalo e outro. É preciso educar o povo. Esta é a nossa verdadeira revolução.
Basta! Basta de covardia moral. Também temos participação em nossa omissão. Não precisamos de uma vida a meias. Precisamos de uma vida que valha a pena ser vivida. Chega de nos escondermos. O povo precisa respirar e este ar está podre. Esta é a pior poluição que podemos enfrentar. Mas parece que o povo se satisfaz (desde sempre) com panis et circenses. Até quando seremos palhaços neste circo dos horrores?