"Só posso alcançar a despersonalidade da mudez se eu antes tiver construído toda uma voz." Clarice Lispector.
Nos tempos de hipervalorização dos objetos em detrimento do ser humano, é preciso repensar a função do sujeito na contemporaneidade. Está encardida a palavra que poderia servir para descrever o sujeito. Deteriorada e talvez um pouco rota, desfeita de sua trama: estrutura de linguagem. Não é de hoje que sabemos a importância da função da fala no campo da linguagem. Mas, quem fala hoje? Há uma pletora de palavras, uma espécie de enxame de Significantes Mestres. Hoje todo mundo fala, todo mundo escreve, todo mundo publica. Se não é através de material impresso, então usa-se as mídias e redes sociais. Mas, percebo que muitos falam e não dizem nada. Há um esvaziamento da fala que não alcança sua significação que poderia recolocar o sujeito em sua devida importância no mundo. Mas, repito. O que há é uma supervalorização dos objetos que, por sua prevalência no mundo, ganharam mais status do que os sujeitos. Diria ainda que há é uma tendência a se fazer sujeitos-objeto. Freud, no Mal-Estar na Civilização (1930[1929]), antecipando muito o que vemos hoje, disse que "o homem tornou-se uma espécie de Deus de prótese. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares, ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades." Parece que todo cerne da questão reside aí. O homem inventa, cria para si estas próteses diárias que, sem as quais (os gadgets) ele não sabe mais viver, no entanto, as usa mal. O excesso do uso destes objetos cria a expectativa de que eles poderiam suprir tudo. Essa falsa crença gera angústia e frustração.
Da mesma forma que os objetos tornaram-se cada vez mais descartáveis, as pessoas também parecem seguir este mesmo caminho. A deterioração das relações, o uso que se faz delas e o gozo que se extrai do outro, do corpo do outro a qualquer preço, acabaram por também banalizar as relações.
A Banalização do Mal, como escreveu Hannah Arendt, cobra seu preço ao equalizar ações, pensamentos e ideias como se tudo fosse uma coisa só: pasteurização. A morte, sem seu caráter simbólico também torna-se fato corriqueiro. E é justamente a não diferenciação que promove a globalização dos afetos, deixando-os amorfos em suas singularidades e sem tempero em suas subjetividades. Neste mundo moderno feito de promessas e ilusões, parece que se pode liquidar a vida, já que se liquida tudo. Amores líquidos, diria Bauman.
Se os amores estão líquidos, a angústia, não. Ela anda mais viva do que nunca. Viva para mortificar os sujeitos. A angústia é o afeto por excelência. Aquilo que afeta comprimindo o eu do sujeito. Por isso, não engana. Ela é uma certeza de uma posição sem saída. (espaço-tempo diminutos)
Então, qual a saída? Através da fala, com certeza. E a análise é a experiência da fala sobre uma fundo de verdade que é, a princípio, o impossível de falar da angústia. Atravessar este "deserto dos tártaros" é uma aposta diária.
Acho que Clarice sabia disso.
Clarice sabia. Sim. E sabemos nós com ela. Atravessar esse deserto só fica menos terrível quando sabemos que nossa loucura/lucidez pode ser compartilhada. Quando, por exemplo, leio vc.
ResponderExcluirGrande abraço. Telma.
Adorando este seu blog...
ResponderExcluirBjO Carlos..
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDemais, Carlos! Lapidar. Adorei a definição de "próteses".
ResponderExcluirInês
"Neste mundo moderno feito de promessas e ilusões, parece que se pode liquidar a vida, já que se liquida tudo. Amores líquidos, diria Bauman."
ResponderExcluirCom certeza citar o Bauman ajuda e sintetizar seu pensamento nessa fala. Ao terminar de ler Amor líquido, confesso ter ficado assustado, pois o jeito como passei a olhar as coisas 'em movimento' ao meu redor, eram realmente líquidas demais para eu que pre preciso me agarrar a mínimas certezas.
Um bom texto!
Obrigado, Telma. Sua leitura não é qualquer leitura para mim. Quando me perco, Clarice me orienta...
ResponderExcluirBjs
Raquel,
ResponderExcluir"Peças íntimas", palavras delicadas,
bjs
Inês,
ResponderExcluirVamos trocando ideias, palavras...
Bj,
Obrigado pela sua leitura, Mazes,
ResponderExcluirGrande abraço,
Carlos, concordo plenamente contigo, é através da fala que conseguimos ultrapassar muitas angústias nossas. Abafar algo que não nos faz bem, só faz nossa situação piorar. E é engraçado o ser humano hj em dia se preocupa tanto com a saúde do corpo e da mente esquece.
ResponderExcluirClarice sempre fala por nós!
Muito bom seu blog, parabéns :)
bjs