W. Kandinsky - Cidade Antiga
"A nossa crise provém, essencialmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis" Fernando Pessoa
Vejam que retornamos sempre a Freud, mas com certeza também a Lacan. A psicanálise passa por momentos delicados em relação ao mundo em que vivemos. Deveríamos dizer Polis ou a equação cidadão+autonomia=Polis está elidida de nossas preocupações? Qual o conceito de cidadão? Ou deveríamos nos perguntar sobre o sujeito na sociedade haja vista que as cidades expandiram suas fronteiras para além delas e, por que não, para além de seus países de origem? Assim, o sujeito teria perdido igualmente suas noções de cidadania e ética? Estes ultrapassamentos fronteiriços têm tido como consequência um apagamento das certezas sobre como circunscrever suas ações bem como um incentivo à impunidade pela certeza que o "cidadão do mundo" pode se esconder em qualquer lugar. Sua preocupação parece ser um única: ser localizado a partir de seu ID no computador. A má-fé como uma nova posição da neurose parece apontar para um afrouxamento das relações simbólicas ao mesmo tempo em que estes traços de perversão (na neurose) parecem se acentuar.
As transgressões ganham terreno pela certeza de impunidade e pelo "apagamento" que outra nova ação de uma outra pessoa irá tornar a sua inócua pelo tempo acelerado entre uma e outra. Um crime de consciência que elimina o seguinte como um efeito cascata devastador.
Freud, no Mal-Estar na Civilização escreve que nosso sofrimento provém de três direções: 1- O poder superior da natureza (previa com maestria o que estamos vivendo hoje), 2- A fragilidade de nossos corpos e, 3- A luta do homem contra outro homem (Cita Plauto: O homem é o lobo do homem). Destes três assinala que o último é o pior deles, pois o homem deveria procurar o bem e a felicidade, mas mesmo advertido sobre isso, encaminha-se para as guerras, a xenofobia, a intolerância e as práticas fundamentalistas de exclusão do outro.
Devemos nos perguntar o que queremos da vida quando subvertemos valores em prol do lucro rápido, da ganância desmesurada dos políticos e da pobre investida que fazemos na leitura dos grandes clássicos da literatura e na formação educacional e profissional. O próprio Freud dizia que antes dele sempre houve os poetas e romancistas que, se não eram formadores de opinião, ensinavam a olhar o mundo sob a ótica da relatividade. Além do que, escreviam com muito mais propriedade do que ele sobre as paixões, os afetos (angústias) e as relações amorosas.
Por onde caminhamos? Pra onde caminhamos? É certo que nos movemos entre o passado e o futuro e, nesta hiância, buscamos construir algo que seja uma segurança para nosso caminhar. Mas, o que fazer com esta proliferação de sentidos que obnubila a visão e quase nos impede de seguirmos em nossa ética psicanalítica? Ainda haverá uma ética do desejo? Decerto que sim, mas não podemos mais pensar o desejo sobre a mesma ótica do século passado quando percebemos também que as relações do sujeito com a lei e o gozo subverteram-se de maneira prodigiosa. Afrouxaram-se as leis, perdeu-se o receio do castigo e sobreveio um gozo desenfreado que parece não submeter-se a lei nenhuma. Nem a lei do desejo em relação ao amor, como dizia Lacan.
Entre o passado e o futuro há o desejo. Entre o desejo e o gozo há o amor. Mas creio que as fronteiras entre estes territórios cederam de vez.
A psicanálise aposta num limite que sua praxis possa fazer sobre o gozo fundamentalista do Outro. A psicanálise aposta que o sujeito possa, através da ética de seu desejo, saber um pouco mais de seus limites (fronteiras éticas) e, assim, caminhar não a salvo propriamente de suas loucuras, mas responsabilizando-se contra uma parceria espúria com a perversão.
Acho q foi Napoleão quem disse que "o homem enfrennta tudo pelos seus propósitos, não por seus principios"!
ResponderExcluirPois é, Napoleão queria ser "o dono do mundo"
ResponderExcluirAbraços e obrigado pelo comentário.
Vivemos um momento de transição, uma época de ilusões, algumas perdidas, outras desesperadamente buscadas, aqui sim, com desejo, mas pouca ou nenhuma ética. O que é público tornou-se privado, e o contrário também se percebe nas relações. O sujeito vê-se desencontrado, não mais caminhando, mas ignorando os degraus e às vezes, até planando como Ícaro. Com o diferencial de que Ícaro pairava suas asas, e o sujeito não sabe, nem como entrou, nem como sair desse labirinto de transições.
ResponderExcluir'Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.'
[Luis de Camões]
Saudações poético-psicanalíticas.
Rita,
ResponderExcluirObrigado pelas tuas palavras. Como diz o Caetano "a gente não sabe o lugar certo onde colocar o desejo".
Abraços e sigamos
Lindo o Camões, Rita.
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