segunda-feira, 27 de junho de 2011

O que há de novo na sexualidade infantil?

 

O que há de novo na sexualidade infantil? Detalhes que fazem a maior diferença.
Se o título desta minha intervenção é uma interrogação é porque parto de uma afirmação. Sim, há algo de novo na sexualidade infantil que é decorrente dos dias que se seguem. Embora os detalhes deste "novo" possam parecer sutis, creio que é exatamente por isso que eles me chamam mais a atenção. Foucault dizia que quanto mais invisíveis as barras de um manicômio, pior seria para derrubá-las. O mundo infantil está posto não através de grandes mudanças, mas de imperceptíveis trocas de papéis e a introdução de um mundo virtual que, quem os fez, esqueceu de avisar aos pais da mudança que acarretaria. Além disso, os pais e os educadores parecem estar perdidos, atônitos com o "politicamente correto" e com a noção dura dos direitos (e poucos deveres) que as crianças muito cedo possuem sobre suas vidas. De fato, o "é proibido proibir"  ganhou um status de liberalismo quase sadiano que parece ter encurralado os adultos num beco sem saída. A Mediania, conceito postulado por Aristóteles, como a possibilidade de evitar as faltas e os excessos e, assim, conquistar o Bem Supremo, caiu por terra por não se sustentar em nenhum parâmetro de felicidade.
Ao contrário do que ocorria antigamente na figura de um adulto homem ou mulher, a sexualidade infantil vem sendo continuamente molestada pelo virtual. Isso é o que há de novo e parece estarmos desaparelhados para pensar novas formas de intervenção clínica como possibilidade de barrar a ferocidade do gozo do Outro sobre o infans
O que percebo é um "novo adestramento da pulsão", isto é, um novo tipo de tentativa de adestramento pulsional que funciona como um gozo-a-mais sadiano. Um imperativo de gozo que não se submete a nenhuma Lei. Quem barra a pletora de gozo do Outro internáutico quando são os pais que saúdam a chegada de novos gadgets como modernos mecanismos de controle? "Agora eu posso ligar e saber aonde meus filhos estão". Como saber? Em Portugal eles dizem mais corretamente que nós brasileiros que chamamos os aparelhos de celular e eles de "telemóvel". A rede mundial de computadores virou uma superestrutura dura, inquebrantável que chegou para trazer muitas facilidades do ponto de vista da funcionalidade moderna, mas tenho sérias dúvidas sobre a sua nocividade para as relações interpessoais. Se os sites de relacionamento se proliferaram, as angústias não possuem mais um endereço pessoal, mas eletrônico. O Outro da angústia (que se aloja no coração do ser, ou melhor, de sua falta-a-ser) pode estar na mesma cidade ou num país longínquo. Qual é o endereço para as perguntas: "Pode o outro me amar?" "Pode o outro me perder?" Além disso, tenho escutado pais aflitos dizerem que os filhos não saem mais de casa (não era justo o contrário antigamente?) por que seus filhos ficam o dia inteiro no computador. Pra que sair para o mundo se este vem até eles?
Se até o século XIX, início do XX existia uma forte repressão sobre a sexualidade, a nova ordem mundial baixou a guarda da censura, mas não soube o que fazer com ela. Deixou-a solta sem um novo reagendamento que pudesse ser esclarecedor dos limites. A tentativa deste escrito é ao menos pensar sobre isso, não que eu tenha soluções. Mas quando pensamos juntos alguma luz pode advir.
Então, o que aconteceu foi um duplo evento: a) por um lado tornou-se proibido proibir e, por outro, b) a internet produziu uma invasão de privacidade jamais vista. É exatamente esta invasão de privacidade que tem causado a nova forma de molestação sexual infantil. O que se chama de molestação, pode ser pensado num certo nível como tudo aquilo que vai contra a vontade do outro ou sem o con-sentimento deste. O que acontece é que vivemos num mundo tão veloz que a ferocidade da informação não respeita o tempo de pensar, o ato de refletir. Transpõe barreiras íntimas do crescimento, fronteiras imperceptíveis das fases da sexualidade que são fundamentais para o crescimento de uma criança. 
No lugar da antiga chupeta (produz deformação da arcada dentária), surgiu o mouse (produz o ler...da). 
No lugar do colo materno, fios de uma rede infinita. 
A pulsão escópica ganhou ares de um panóptico. A criança vê tudo (ou quase, mas muito mais do que deveria), e supõe em seu engano infantil, que por "ver tudo", sabe sobre o todo. Já o engano dos adultos é acharem que o "pensamento mágico" está a salvo destas novas modulações da sexualidade. Há um cheiro nefasto de perversão no ar. 
O novo da sexualidade infantil pode ser descrito como pequenos nichos de uma espécie de anorexia social (fobias que as redes "sociais", as superestruturas, tentam suprir) e uma bulimia do consumo (come e vomita o descartável).  
O excesso de demanda (ofertas) acaba por atrapalhar o desejo (esmaga-o) deixando a criança sem vontade para nada que não esteja ao alcance de seu mouse (vamos pedir uma pizza?).
Pais que procuram o canal aberto do diálogo e que incentivem a leitura não evitam a mordida do mundo moderno, mas são ótimos antídotos que estimulam o pensar criticamente e o agir sem ser um mero autômato.
Para concluir: qual o tamanho do HD de sua disponibilidade para seus filhos?

3 comentários:

  1. Carlos, me encontro sempre em suas palavras... eu que tento, como mãe, sempre exercitar a ética nesta contemporaneidade fluida, me sinto acalentada por este encontro... não há receita, mas penso que o que indicas é o caminho que prefiro traçar no desassossego que é educar os pequenos hj... mais difícil ainda, pra mim ao menos, é psicanalisar estas crianças, com pais e mães cada vez mais distantes e perdidos de seus filhos... mtas vezes desimplicados, apartados destes novos sintomas que estes filhos vem de-monstrar...
    um gde abço!

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  2. Ótimo texto! A situação está cada vez mais assustadora. Não consigo enxergar um caminho de volta para este modelo que o capitalismo promoveu tão brilhantemente. Se os sujeitos de hoje já vivem em ilhas de pouca comunicação, estamos ensinando nossas crianças a viverem em ilhas totalmente isoladas. Con-tato tão logo existirá apenas nos dicionários.

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  3. Excelente texto, parabéns. Um alerta incontestável da realidade.

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