segunda-feira, 5 de abril de 2010

O estranho homo homini lupus


Homo Homini Lupus, Bernard Lorjou (1908-1986)

Unheimlich foi a palavra usada por Freud para dizer sobre o estranho.
Estranho é um sentimento de atopia em relação à si mesmo. Angústia é um afeto (que não engana) que comprime os espaços de saída tornando a vida enclausurada num quarto como no conto O corvo de Edgar Alan Poe. O que um dia foi familiar retorna como estranho.
Estamos vivendo tempos difíceis. O mundo que se quer feliz é meramente uma ilusão de efeitos passageiros, quase que como relâmpagos numa noite chuvosa. Não é um relato sombrio. Ser realista é constatar fatos.
Ainda há pouco constatei na minha cidade (Niterói) devastada em seu orgulho de ser a quarta cidade em qualidade de vida do país, ser assolada pela força da natureza que arrastou vidas. Freud dizia que o sofrimento do homem provinha de três direções: 1) O poder superior da natureza; 2)A fragilidade de nossos corpos; e 3) A maldade do homem contra outros homens. E cita Plauto: Homo homini lupus: o homem é o lobo do homem. Diante do medo, do estranho sentimento de se sentir estrangeiro em sua própria cidade. Diante da insuficiência em ser. Diante da fragilidade de nossos corpos e do poder superior da natureza, surge no meio do caos a maldade do homem contra outros homens. Pânico, correria, lojas fechando, pessoas chorando no meio da rua, helicóptero da polícia, camburões da polícia para conter um arrastão que se alastrou pela cidade...Arastão? Sim. Um arrastão de boatos. Tudo não passou de boatos de pessoas que queriam disseminar pânico a uma população já alarmada e sofrida. Desvio de atenção para o que ainda está por vir? Desvio de atenção para o pior?
Lacan disse certa vez que não é impossível que isso não piore. Ou seja, quando uma pessoa acha que já sofreu o bastante e que ela sempre foi "boa" para a humanidade, não haveria o que acontecer de mal a ela. Ela acha que não merecia isso. Não o fez por merecer. Mas acontece. Então ela se sente injustiçada achando que o mundo conspira só contra ela. Esta estranheza diante do mundo faz com que as pessoas queiram que o mundo caiba dentro do mundo delas e quando isso não acontece ( e nunca acontece) elas se angustiam diante da maldade do homem. Num recente filme de Francis Ford Copolla (A ilha do medo), Leonardo di Capri, o protagonista, se pergunta ao final do filme o que seria pior: viver como um monstro ou morrer como um homem bom?
O mal-estar na civilização está em nossas veias. Nós não somos apenas frutos podres do mal. Não. Estamos bem vivos, sadios e, mesmo assim, o praticamos.
Qual a saída?
O contrário da maldade não é a bondade, como poderiam pensar. O Bem, por existir, nunca nos livrou do sofrimento. Muito pelo contrário.
Então não seria o caso de pensarmos que a oposição ao mal seria a ética? O que você acha?

2 comentários:

  1. Com certeza!
    É o que Lacan chamou de Bem-dizer, né? Mas esse bem-dizer é algo que está paralém de mal e bem, tanto que Lacan diz em Televisão que "o bem-dizer não diz onde está o Bem".
    Agora, há de se considerar também que diabos é o mal? Quantos males vêm para o bem(-dizer)! A psicanálise visa o real, que é para além do regime de oposições, é o neutro. As oposições pode ser definidas de quaisquer maneiras... Tanto que o mal de uns é o melhor para outros. O mal não faz universal, muito menos o bem. Talvez uma boa definição de 'mal' seja exatamente o que você colocou, e que é o título do seminário 19: "Ou pire..."
    É de pi(o)rar, mesmo...

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  2. Carlos, passando para conhecer seu espaço, agradecida da visita!
    Tempo curto, mais volto com mais calma para comentar seus escritos...
    abraços!

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