quinta-feira, 29 de abril de 2010

Pedofilia

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Breno Melaragno - Professor PUC/RJ e Advogado Criminalista * Carlos Fortes - Promotor de Justiça - MG * Leda Nagle * Carlos Eduardo Leal – Psicanalista e escritor * Vladimir Brichta -Ator exclusivo Rede Globo * Talvane de Moraes - Psiquiatra Forense

No dia 16 de abril último, fui convidado a debater sobre a pedofilia no Programa Sem Censura da Leda Nagle, na TVE- Brasil. O tema era sobre o pedreiro Ademar de Jesus que havia matado e tido relações sexuais com 6 jovens em Luisiânia, Go. Mas, obviamente, muitas outras questões foram abordadas.

O sujeito perverso é aquele que diz que "não consegue se conter" e Edimar dizia, "não consigo parar de matar". A perversão se coloca acima da lei. Ele faz suas próprias leis. Não podemos dizer que vivemos cada vez mais numa sociedade perversa, mas numa sociedade ainda fortemente marcada pela neurose com graves traços de perversão. Ou seja, há umfranqueamento muito maior para a perversão, para o ato perverso em nosso meio social. A impunidade é o franchising da perversão. O mal, o mal-estar na civilização é o apagamento do desejo do sujeito frente à avalanche de demandas que o discurso capitalista oferece. Estafetichização das mercadorias, levam os sujeitos a um "dever de felicidade", como se fosse uma obrigação em ser feliz e uma depressão quando não se é.

Outro fato marcante que também tem acontecido é uma fratura do simbólico. Fratura das relações e dos laços simbólicos. Fratura das leis que regem as relações. Pais e filhos, professores e alunos, mestres e discípulos, patrões e empregados. As relações hierárquicas estão se esfacelando, virando pó (sic). Há micro revoluções não armadas, ou melhor, armadas em salvo-condutos, habeas-corpus, ou pior, a revolução dos celulares com câmeras de vídeo, tornou a todos espiões num reality show jamais visto até então. Todos estão vigiados e vigiam-se mutuamente num grande BBB.

A desestabilização do Imaginário (das garantias imaginárias - certezas construídas ao longo da vida), produz uma quebra, uma ruptura do simbólico (as palavras), fazendo emergir o insuportável peso do Real.

Mas o Ademar de Jesus dizia outras coisas. Dizia que ouvia vozes e que estas vozes o mandavam matar os jovens. Ora, se era assim, não se trata de uma perversão e sim de uma psicose. Não é nada raro esquizofrênicos que são assassinos obedecendo ao imperialismo gozo do Outro. Na perversão é a vontade de gozo, do próprio sujeito que faz com que ele não consiga se conter. Mas na psicose, como parece agora depois de sua morte, o sujeito alucina uma outra realidade.

Serge Cottet nos diz que "a especialidade de Lacan é o crime paranóico - não é o crime perverso, não é o crime de massa". Mas a pulsão criminosa já era vista por Freud quando ele estudou o assassinato do pai primitivo. Esta pulsão, pulsão de morte com certeza, imperativa sobre o próprio sujeito o levaria a cometer os assassinatos. Na alucinação o sujeito passa ao ato sem saber, melhor, sem um saber sobre a morte. Ao contrário da perversão na qual o sujeito sabe muito bem sim sobre seu ato. Aliás, ele o premedita. Premedita tanto que deixa brechas. CasosSuzane Von Hichtoffen, rapaz de Osaco que matou a avó e de tarde já havia sido preso, o pediatra que abusava dos rapazes e filmava tudo e depois jogava as fitas de vídeo em cima da lixeira. Ou seja, rastros da evidência de seus crimes. O paranóico não tem esta preocupação. Em sua alienação ele faz porque uma voz manda.

Ainda haverá muita dúvida no ar, mas uma única certeza: na perversão ou na loucura é muito difícil prever o próximo passo em direção à morte. E a justiça? Tarda e falha. Nisto ela tem sido perfeita. A leniência com a progressão de regime, coloca à solta o medo e a insegurança. Não sou especialista na área, mas como cidadão comum sinto-me impotente diante da ineficácia de quem deveria exercer a justiça. Descobrimos a cada dia um abuso, uma molestação, tal e qual o perverso diante daqueles que sabem os meandros da lei e possuem os recursos financeiros adequados contra aqueles que estão marginalizados (pelo saber ou pela pífia situação pecuniária) e, portanto não tem como se defender.

A origem do mal está em cada um de nós. A origem do bem também. O que se espera é que a ética, ética do desejo e da responsabilidade, faça avançar o affectio societatis em nosso meio, em nosso mal-estar da vida quotidiana. Como deter, como barrar o gozo absolutista do Outro? Como deter a Vontade de Gozo do perverso? A psicanálise é um instrumento que faz barreira e não compactua com o gozo. Ela aposta na ética, volto a dizer, na ética do desejo. Do um a um. A singularidade como aposta de saída contra a tirania do 'dever ser feliz', do 'dever gozar a qualquer preço'.

Os laços simbólicos estão frágeis, quebradiços. É um momento em que a "palavra" quase-nada-significa. Resgatar a dimensão simbólica da palavra é também não se perverter, no sentido lato da palavra perversão que significa errância de caminho.

Mas, insisto. Não há "O caminho". O que existe são caminhos que devem ser trilhados um a um. E, assim, possibilitar o encontro com a ética já que esta emerge (Emerj? sic!) quando surge o outro.

3 comentários:

  1. Oi Carlos,
    Alegre por sua visita e embebida por esses seus caminhos do pensamento e da escrita, do desconhecer que nos move para a discussão, que nos remete inevitavelmente à linguagem, esse real tão irreal, único que temos, pois que ela, a linguagem, é o que temos de fato, é o que nos faz perceber a nós mesmos, ao outro, e o instante de dentro pra fora, de fora pra dentro, representado, razão de nosso saber existir, que tanto nos é negada, que tanto nos negamos; essa força da palavra 'bem(dita)' ou maldita, e a triste palavra que sai insolente, impensada a resvalar no outro,cortante, repugnante em seus efeitos...Abraços e obrigada!

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  2. Keila,
    As palavras realmente nos levam para além de nós mesmos.
    Eu é que te agradeço,
    Grande abraço,

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